Diário Estelar - Entrada 09: Os Possessores ("The Thing" nos Alpes?)

Terminei de ler um livro há uns dias e decidi refrear-me de fazer a sua crítica logo de imediato pois queria digerir o que acabara de ler. A obra que me deixara confuso era "Os Possessores" de John Christopher de 1964.

Descobri este livro muito recentemente, totalmente por acaso, ao vasculhar o site da livraria Bertrand e fiquei intrigado pela sua sinopse, que passo a explicar de modo sucinto:

O ENREDO

Um grupo de turistas britânicos fica encurralado por uma avalanche num chalé isolado nos Alpes com uma forma de vida extraterrestre que se mantém viva parasitando os corpos de hospedeiros orgânicos. 
Um a um, os turistas vão sendo consumidos pela ameaça sem qualquer hipótese de socorro e sem meio de saberem quem já foi infectado pelo alienígena.

Com um enredo destes como poderia resistir a comprar o livro? Histórias destas em português são escassas e preciosas por isso não hesitei em arriscar numa obra que desconhecia por completo.

"THE THING" NOS ALPES...?

À medida que ia avançando na história fui-me apercebendo de inúmeras semelhanças com a premissa do filme "The Thing - Veio do Outro Mundo" de John Carpenter, e fiquei um pouco preocupado com a possibilidade de estar a ler um "clone" ou plágio...

Mas fiquei sossegado quando indaguei que o autor John Christopher quis conscientemente prestar homenagem ao conto "Who Goes There?" de John W. Campbell, Jr., que inspirou o filme de Carpenter e o seu antecessor "The Thing from Another World" de 1951.


Tirando isto do caminho pude apreciar a obra no seu todo e segundo as intenções do autor.
No final fechei o livro embasbacado pela brutal história que lera.
Não tenham dúvidas da violência psíquica e física patentes neste pequeno livro. Como exemplo, e sem estragar surpresas do enredo, posso referir que a primeira vitima ás garras do extraterrestre é uma criança. Sim, uma criança. O autor não está para brincadeiras com o seu enredo e faz questão de nos demonstrar o quão brutal pretende ser.

A partir da morte inicial o livro não pára de nos surpreender. Mas não avança a um ritmo rápido, muito pelo contrário. Arrasta-se lenta e metodicamente, acumulando tensão até quase se tornar desagradável de ler. 

Adorei o contraste introduzido entre o antes e depois do extraterrestre. John Christopher perde inúmeras páginas no inicio a descrever um chalé quente e confortável nas montanhas geladas dos Alpes para mais tarde transformar o outrora paraíso de férias numa prisão isolada.

Fiquei deleitado pela premissa de pessoas presas numa cabana com um inimigo no exterior e todo o ambiente pinga atmosfera e horror. As personagens são perfeitamente delineadas ao longo da história, tendo cada uma o seu passado explanado em longas, mas interessantes, reminiscências.


Temos a cozinheira alcoólica, a viúva enlutada, o cirurgião plástico adúltero, o amante rejeitado, o casal snob com filhos mimados... Um leque variado de personalidades, pelas quais temos pena à medida que vão sendo ceifadas pelo parasita alienígena.  

DATADO

Algo que não posso deixar de referir é que o livro, sendo dos anos 60, deixa transparecer a sua antiguidade em certos aspectos. Por exemplo no uso generalizado de bebidas alcoólicas. Todas as personagens bebem gim, brandy, licor, xerez, uísque e vinho como água. Qualquer maleita física ou emergência é amparada pela ingestão de um "cheirinho" para acalmar os nervos. Talvez o autor tenha algum passado ou fascínio pela bebida, referindo-a um pouco de mais.

Outro aspecto datado é o machismo do antigamente. As mulheres são claramente descritas como vitimas fracas e os homens heróis duros que debatem os problemas diante da lareira enquanto bebem baldes de bebidas espirituosas. O que é uma pena, pois John Christopher constrói personagens femininas muito complexas que mereciam um pouco mais de protagonismo.

VEREDICTO

Pode parecer que me estou a queixar muito em relação ao livro, mas adorei-o. Aliás, ganhou um lugar de destaque na minha pequena biblioteca.

O ambiente claustrofóbico construído no interior do chalé de luxo alpino é complexo e detalhado. A situação criada é tensa e urgente. A criatura extraterrestre é aterradora na sua natureza, apesar da sua forma física se assemelhar a uma bola de ténis azul.

Ao ler "Os Possessores" senti-me como se visse um filme de terror antigo, um slasher de mistério onde não se sabe quem será a próxima vitima. Cada página transmitia-me uma sensação de conforto por ler algo que é mesmo ao meu gosto.

Recomendo este livro a quem queira ler uma cativante obra de terror/mistério bem escrita.

NOTA FINAL:

4 COISAS DO OUTRO MUNDO ELECTROCUTADAS