Diário Estelar - Entrada 03: Matango, Homens-Cogumelos...?

Pois bem, foi a sensação com que fiquei depois de ver este filme japonês de 1963, "Matango" (ou "Attack of the Mushroom People" na versão americanizada).
Não me entendam mal, pois eu adorei "Matango" e é esta estranheza e surrealismo que me levou a apreciar tanto o filme. Aplaudo de pé qualquer filme que me deixe uma sensação assim, pois é prova que fez algo certo para me tocar num nervo escondido.

Pouco a pouco o grupo vai-se deparando com a terrível natureza dos fungos e a certeza de estarem encurralados na ilha sem fuga possível.
Premissa simples, cliché até, mas é a execução do realizador Ishirō Honda (o pai do "Godzilla" original) que pinta esta aparente história comum num quadro quase de terror psicológico.
O filme brilha não pelo horror dos cogumelos assassinos em si, mas sim pela interacção do grupo de náufragos que pouco a pouco se vão tornando mais violentos e paranóicos até píncaros de loucura.
É uma película de 1963 por isso não esperem aquele tipo de terror contemporâneo. Que diabos, até acho que não se vê sangue em qualquer cena. Mas podem contar com momentos de grande tensão e estranheza como o momento da primeira incursão nocturna de um homem-cogumelo a bordo do barco onde o grupo dorme incauto. Esse momento está fenomenalmente filmado e consegue assustar apenas pelo conceito.
Vejam o trailer abaixo: (Aviso de má dobragem em inglês!)
A cinematografia é óptima tendo uma ambiência surreal e sombria, quase psicadélica. Os cenários (embora claramente cenários nas traseiras de um estúdio nipónico) são deliciosamente artificiais, mas complexos e detalhados. O barco enferrujado onde grande parte da acção se desenrola é o destaque da produção, sendo a atenção ao detalhe na sua construção uma maravilha. Aprecio especialmente as zonas da embarcação meio consumidas pelo fungo parasita.

Curiosidade: O filme esteve para ser censurado no Japão, pois as figuras fúngicas evocavam bastante o aspecto das vitimas da radiação de Nagasaki e Hiroxima.
Com um elenco de luxo, o realizador reúne um leque de talentos que suporta o fino fio condutor da história, porque convenhamos, um filme sobre homens-cogumelos não tem a consistência narrativa de uma "Lista de Schindler". Gostei bastante dos actores e personagens, pois creio que a força do filme está nas relações entre os intervenientes, e não nos monstrengos. Actuações muito sólidas.
Claramente uma alegoria às drogas que começavam a ganhar força entre as massas nos anos 60, Ishirō Honda filma uma obra que alerta para os perigos do vicío e consequências do seu uso. Sem grandes véus, os humanos que lentamente se vão mutando em cogumelos mostruosos são uma representação das alterações fisicas e mentais que assolam os dependentes de substâncias psicotrópicas. Aliás, até existem segmentos psicadélicos no filme em que as personagens que consomem os fungos descrevem um extremo prazer e bem estar sempre que os ingerem. Súbtil...

Encontrá-lo pode ser dificil, pois é um filme que foi remetido ao esquecimento após uma discreta passagem pelos cinemas na década de 60. Os Estados Unidos só tiveram acesso à película através de exibições esporadicas nos canais de televisão mas em 2017 foi editado em Blu-Ray, por isso nada de desculpas.
Recomendo vivamente e sem fungar (trocadilho por causa dos fungos... 🍄).
NOTA FINAL:
Comentários
Enviar um comentário